As migrações são um acto individual e, ao mesmo tempo, colectivo. São uma realidade individual porque migrar é sempre o resultado de uma acção pessoal. O movimento migratório é desencadeado em resultado de uma decisão, tomada com maior ou menor grau de liberdade, e afecta a vida futura de um indivíduo. São uma realidade colectiva porque todos os actos pessoais podem ser explicados a partir de um enquadramento mais amplo. Tanto quando as migrações são voluntárias, como quando são forçadas, todas as deslocações podem ser entendidas no seu contexto colectivo. Por outras palavras, tanto podemos observar as migrações sob uma perspectiva individual (por que migrou?, como se adaptou?, o que sofreu?, o que mudou na sua vida?), como sob uma perspectiva colectiva (o que levou tantos a migrar?, como foram acolhidos?, como se apoiaram mutuamente?, o que mudou nas suas vidas?).
Migrar significa, etimologicamente, mudar de residência. Os estudiosos têm acrescentado alguns atributos ao conceito, de forma a que não se possam confundir a mudança de residência no interior de uma mesma cidade, com uma deslocação para um país a milhares de quilómetros de distância. A migração possui uma tripla dimensão: geográfica, temporal e social. A dimensão geográfica resulta de haver, necessariamente, uma deslocação no espaço. A dimensão temporal prende-se com o carácter duradouro ou episódico do movimento: apenas as deslocações com alguma duração são relevantes, sendo excluídos movimentos breves e circunstanciais (por exemplo, o turismo). A dimensão social está ligada à mudança de meio social. Um migrante, na verdadeira acepção da palavra, muda de local de residência, trabalho e lazer, muda de ambiente social e cultural e, muitas vezes, de língua. É a ruptura social associada à migração que a torna, por vezes, tão penosa.
Um outro vector habitualmente acrescentado ao conceito é a dimensão política. Isso acontece porque devemos distinguir as migrações internas, que sucedem no interior de um Estado-nação, das migrações internacionais, que implicam a transposição de uma fronteira. Mesmo se muitas migrações internas envolvem rupturas violentas, como as deslocações do campo para a cidade, as migrações internacionais implicam outros desafios. É necessário obter autorização política para a deslocação (um visto ou uma autorização de residência); é necessário respeitar uma nova lei; é necessário enfrentar a perda de direitos que decorre da condição de estrangeiro; e é necessário enfrentar a reacção dos nacionais perante os estrangeiros.
Por que se migra? As razões são inúmeras, porque tudo depende do tipo de migração. Antes de mais, existem migrações voluntárias e forçadas, diferenciadas em função do grau de autonomia na decisão. Uma coisa é um trabalhador que avalia, ponderadamente, os custos e os benefícios da migração e, numa dada altura, decide partir. Outra coisa são os indivíduos que, inesperadamente, enfrentam um conflito ou uma catástrofe, humanitária ou ambiental, e se vêm forçados a agir. É nesta última acepção que falamos dos refugiados, protegidos por convenções internacionais e habitualmente alvo de estudos específicos. Mas mesmo no que se refere a migrações voluntárias, tudo separa as migrações económicas ou de trabalho – as mais comuns quando falamos de migrações – das relacionadas com motivos familiares, de saúde ou educação. Entre os migrantes económicos, há também diferentes grupos sociais envolvidos. Por exemplo, não são sempre os mais pobres que emigram. Muitas vezes a posse de alguns recursos é condição indispensável à saída. Daqui que seja vão tentar procurar explicações gerais para as migrações.
Ainda assim, quando observamos as migrações mundiais encontramos muitas situações recorrentes. Há países e regiões do mundo afectados regularmente por saídas, atingindo sobretudo grupos sociais pouco favorecidos, enquanto outros se habituaram aos impactos das chegadas, colocando os migrantes nos degraus mais baixos da hierarquia social. Embora as condições repulsivas e atractivas sejam dinâmicas, não afectando sempre os mesmos locais do mundo, são os grandes desníveis do desenvolvimento mundial que explicam muitos dos movimentos humanos. Por exemplo, a fronteira do Rio Grande, que separa os EUA do México, marca uma diferença de riqueza superior a três. Um desnível ainda maior sucede no Mediterrâneo: comparando os níveis de riqueza de Espanha e Marrocos, a diferença é superior a seis (dados do Banco Mundial, em 2010, sobre o rendimento nacional bruto per capita em paridade de poder de compra). Perante desníveis desta natureza, não surpreende que a pressão migratória se revele estável ao longo do tempo.
Sabe-se que muitas deslocações humanas resultam de motivos económicos. É a procura de um rendimento mais favorável no país de destino que explica muitas das decisões migratórias. Aquilo que os migrantes de trabalho fazem é calcular os rendimentos e perdas associados à migração e, caso a expectativa seja favorável, assumir os riscos da partida. Em certos casos podem estar desempregados, noutros empregados, mas sabem que se encontrarem trabalho noutro país podem duplicar ou triplicar o seu rendimento líquido. Ao contrário de algumas expectativas mais optimistas, a globalização não tem levado a um equilíbrio económico mundial. Pelo contrário, a manutenção e, em muitos casos, o alargamento dos desníveis de desenvolvimento continuam a ser poderosos causadores de fluxos, resistentes às vontades políticas dos governos. A simultaneidade da pressão económica para o movimento e das políticas restritivas causa, naturalmente, fricções que tornam ainda mais difícil o processo migratório. Mas não surpreende que as migrações tenham mantido uma tendência crescente nas últimas décadas do século XX e hoje afectem todas as regiões do mundo.
Também as consequências das migrações são inúmeras e também elas variam em função dos tipos de migrações. Quando se trata de fluxos significativos, as consequências demográficas, sociais e económicas são imensas. A rarefacção e envelhecimento populacional das regiões de saída contam-se entre as consequências mais graves. O rejuvenescimento ou, pelo menos, travão ao envelhecimento dos países de chegada é uma das consequências mais benignas. Os impactos sociais e económicos são também grandes, tanto no país de origem como de destino. A estrutura social e a distribuição dos indivíduos no mercado de trabalho são profundamente afectadas. Em qualquer caso, a história de uma sociedade reescreve-se quando as migrações ocorrem. As relações entre os grupos sociais, as práticas culturais e os comportamentos económicos mudam com as migrações.
Também a nível pessoal nada mais será o mesmo. Antes de migrar, o potencial migrante avalia novas oportunidades, que se poderão ou não concretizar. Mas perante a possibilidade de melhoria de vida não voltará a aceitar a sorte que lhe cabe no meio onde reside. A mudança pessoal começa antes e prolonga-se depois da migração. Em muitos casos, a vida dos migrantes é dominada pelo sofrimento e pela exclusão, mas noutros os êxitos recompensam a decisão de partida. Tudo depende do sucesso ou fracasso do trajecto migratório. Mas, independentemente do resultado, a biografia e a visão do mundo do indivíduo alteraram-se de modo irreversível. Migrar e mudar são dois termos que, muitas vezes, são sinónimos.