LUGAR DE ESPERANÇA
Espreitei o edifício construído no início do século XX, esvaziado já, decrépito ainda, paredes de um azul descolorado. Havia alguma justiça poética naquela ideia: transformar em Casa dos Direitos a 1ª Esquadra de Bissau, que fora uma cadeia na era colonial e que se mantivera uma cadeia após a independência, como uma espécie de templo de prisão arbitrária, tortura, julgamento sumário.
A Associação para a Cooperação entre os Povos (ACEP), com sede em Portugal, e a Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH), da Guiné-Bissau, atraíram outras nove organizações nos dois países. E, com financiamento da Cooperação Portuguesa, avançaram para a recuperação daquele espaço, que entretanto fora cedido pelo Governo da Guiné-Bissau.
Fátima Proença, a directora da ACEP, e Luís Vaz Martins, o presidente da LGDH, idealizavam um lugar de referência. Queriam que o projecto servisse de impulso para as diversas organizações, que se debatiam com escassez de recursos e falta de conhecimento especializado, combinarem e afinarem estratégias de defesa dos direitos das pessoas e do meio ambiente.
Não o vi encher-se a 28 de Fevereiro de 2012, já como Casa dos Direitos, com as paredes animadas por uma exposição fotográfica sobre as mulheres da Guiné-Bissau. Só pude deter o olhar nas imagens que me chegaram por e-mail: quantos dos presentes tinham ali sido privados da sua liberdade?
Aquele dia foi também de palestra, de estreia de uma série de pequenos documentários produzidos pela TV Kelelé e de lançamento de um livro assinado por mim e pelo Nelson Constantino Lopes, todos dedicados aos direitos das mulheres na Guiné-Bissau. É que o lugar-transformado tem programação anual e o primeiro ano coube às mulheres – o segundo cabe às crianças.
Agora, abrem-se as portas e as janelas e deixa-se entrar o calor húmido da cidade, mas também a brisa que sopra do oceano. Há quem lá vá consultar livros e documentos sobre direitos humanos, frequentar acções de formação e participar em palestras. Em breve, poderão aceder à internet e assistir a filmes.
No rescaldo do golpe de Estado de 12 de Abril, ninguém abriu as portas e as janelas. Reabriram-nas mal a coragem deixou. Afinal, a casa não quer ser uma casa igual às outras: ambiciona ser uma rede de recursos para a paz e para o desenvolvimento, não admite ser menos do que esperança.