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As Organizações Não Governamentais (ONG) tornaram-se, a partir dos anos 80, actores centrais na cooperação internacional para o desenvolvimento, um domínio até então reservado aos governos e às organizações internacionais. Apesar de existir considerável literatura crítica sobre a natureza, as formas de actuação e os impactos das ONG e de o termo fazer parte da linguagem corrente, não é fácil definir o conceito de ONG e estudar estas organizações devido à sua heterogeneidade.


Definições abrangentes descrevem as ONG como “grupos de indivíduos que se organizam para irem de encontro à imaginação e aspirações humanas”, enquanto outras simplesmente consideram qualquer organização não estatal como ONG. As que operam no âmbito da cooperação, que são as que aqui analisamos, são por vezes designadas ONG para o Desenvolvimento (ONGD) e caracterizam-se por estarem empenhadas na mudança social e na redução da pobreza em Países em Desenvolvimento.


A emergência das ONG(D) como estruturas formalizadas é relativamente recente, apesar de aquelas organizações terem raízes históricas longínquas, que alguns situam na actividade dos missionários ou na história dos movimentos sociais. Organizações como a Cruz Vermelha e a Caritas, surgidas no século XIX, e a Oxfam e a CARE, fundadas no século XX, constituem a matriz moderna das ONG.


É a partir dos anos 80 que se verifica o aparecimento de muitas ONG e o alargamento da sua esfera de actuação e de influência, no quadro de uma nova ordem mundial que “criou a sensação de os Estados não serem já as fontes óbvias de legitimidade da acção social civil, abrindo-se espaço às ONG”. Esta crescente importância tem várias justificações: por um lado, o aumento do financiamento disponível, devido a percepção de que a ajuda oficial não estava a chegar aos mais pobres, a par de pressões dos “doadores” para a diminuição do Estado; por outro, o reconhecimento público que as ONG foram ganhando pelo seu trabalho junto dos mais pobres e pelas campanhas internacionais que conduziram.


Alguns elementos comuns caracterizam as ONG: são organizações que actuam para melhorar a sociedade, em particular aliviando o sofrimento dos mais pobres, têm uma componente de voluntariado, não têm fins lucrativos (ou não repartem o lucro caso exista) e são independentes. Envolvidas, de início, em assistência humanitária de emergência e de prestação de serviços básicos, foram estendendo a sua ação a intervenções de longo prazo (na área do desenvolvimento rural e comunitário, ensino, ambiente, promoção dos direitos humanos, construção da paz e da democracia), tentando ser catalisadoras de mudança social.



Qual o contributo das ONG para o desenvolvimento internacional?
Uma das questões centrais reside na compreensão do contributo das ONG para a mudança social, designadamente em que medida as ONG conseguem cumprir a missão que se atribuem. Sobre isto existem visões contraditórias, que vão “desde a negação completa da sua eficácia até ao exagero das suas capacidades”. Uma forma de analisar o impacto das ONG é através das suas vantagens comparativas. São aceites como sendo mais flexíveis e eficientes, menos hierarquizadas e burocráticas, com custos administrativos menores, nomeadamente por beneficiarem de trabalho voluntário, e menos vulneráveis à corrupção.


Mas mais importante são as suas abordagens inovadoras: abordagens bottom-up, que se centram nas pessoas e no reforço das suas capacidades, fomentando o seu empowerment, ou seja, dando aos indivíduos os meios para serem eles próprios autores da sua transformação. A promoção de abordagens participativas envolvendo os mais pobres permite às ONG actuarem de acordo com as preocupações reais das populações e darem voz aos mais fracos.
As ONG estendem, além disso, a sua acção às áreas mais remotas, em condições de extrema adversidade e de injustiça onde o Estado não chega, e contribuem directamente para a melhoria das condições de vida de muitas pessoas.



Que questões se levantam à actuação das ONG?
Não obstante, alguns criticam o limitado impacto positivo do trabalho das ONG, argumentando que as ONG não conseguiram mudar as estruturas que causam a pobreza. Muitas são acusadas de promoverem “o voluntarismo sem competências e novas formas de paternalismo e de caridade confundidas com o desenvolvimento”.


Também a legitimidade da sua acção é criticada. Quem é que as ONG representam e em nome de quem actuam? Que legitimidade têm as ONG para defender uma causa ou influenciar políticas? E que legitimidade tem uma ONG financiada pelo governo de um país para actuar noutro? Ainda que a legitimidade provenha da defesa de valores universalmente reconhecidos, como os direitos humanos, e que as abordagens participativas e parcerias locais “certifiquem” que as ONG representam os interesses das comunidades, na verdade as relações de poder continuam a ser assimétricas e muitos projectos das ONG reflectem mais as preocupações estrangeiras do que as das sociedades locais.


As ONG podem ainda favorecer a emergência de elites locais não representativas da base social local, alimentadas pelos recursos financeiros exteriores e com poucas ligações às preocupações das populações locais. Outras críticas incidem sobre a reprodução descontextualizada de modelos desenvolvidos noutros locais, ou a propagação, devido a exigências de financiamento, de mensagens populistas de desgraça e simplistas sobre a resolução dos problemas do desenvolvimento, o que levanta sérias questões éticas.


Muitos argumentam que existem poucos dados que comprovem a eficácia das ONG. De facto, não há consenso sobre a maneira de avaliar as ONG, dividindo-se o debate entre os que propõem avaliações de impacto, com base em objectivos e indicadores, e os que defendem avaliações mais qualitativas, que tentam compreender a complexidade dos factores que afectam os projectos e a transformação social.



Como é que as ONG respondem a estes desafios?
Estas questões motivaram muitas ONG a iniciarem processos de reflexão e de transformação organizacional, conduzindo, por exemplo, a uma maior profissionalização, à elaboração de códigos de conduta ou ao desenvolvimento de sistemas de prestação de contas e de avaliação.


Em resultado da reflexão sobre a eficácia da ajuda, as ONG concordaram recentemente nos “Princípios de Istambul” para melhorar a qualidade de desempenho, estruturado em torno do conceito de eficácia do desenvolvimento, compreendido como um processo de capacitação de populações pobres, vulneráveis e marginalizadas, adaptado a cada contexto e abandonando o tradicional protagonismo europeu.


O desafio é grande. De facto, a influência das ONG é pequena se comparada com a de governos e de agências internacionais, que têm mais poder para influenciar o contexto ideológico global. Não obstante, cabe às ONG evitarem dependências e não serem instrumentos dos modelos vigentes, com vista a mudar os sistemas e as estruturas que determinam a distribuição de poder e dos recursos e assim enfrentarem as questões estruturais da pobreza, para, num contexto de uma cidadania verdadeiramente participativa, contribuírem para a mudança social.

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