“OLHA O ARROZ QUE ELE TEM!”
Nas margens do rio Cachéu, na Guiné-Bissau, os felupes têm 15 nomes para designar o arroz. Em vida, os homens desta etnia vão guardando uma pequena parcela da sua produção de arroz. Quando morrem, há uma festa, sobretudo quando são muito velhos. São enterrados com arroz e seguem a sua viagem. “Olha o arroz que ele tem!”. A diferença entre as pessoas mede-se, não pela roupa, mas pela quantidade de arroz.
Quem conta a história tem uma paixão por arrozais. Quem conta a história sabe que a soberania alimentar está em risco na Guiné-Bissau. Sabe que os guineenses estão dependentes da importação de arroz. Os grãos predilectos dos homens da Guiné chegam ao país metidos em barcos que partem do Vietname, da Índia ou da China. Antigamente, um saco de castanha de caju valia dois sacos de arroz. A relação inverteu-se.
Pepito, nome pelo qual é conhecido Carlos Schwarz da Silva, guineense de Farim. É Pepito quem conta a história dos felupes. Feito engenheiro agrónomo pelo Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, recorda os dias de 1975 quando regressou à Guiné à boleia de um avião militar português. Distribuiu sementes de arroz, apaixonou-se por ele, fundou o Departamento de Experimentação e Pesquisa Agrícola e lançou-se à orizicultura na época seca, ao longo da bacia do rio Geba.
Em 1983, é implementado, em conjunto com o FMI, o programa de estabilização económica. Quatro anos depois, chega o programa de ajustamento estrutural, orientado, também, pelo FMI e pelo Banco Mundial. Começa, então, a monocultura de caju, hoje responsável por mais de 90% das receitas de exportação do país. “Disseram: não interessa produzir arroz se vier mais barato de fora. Vamos focar-nos no caju, exportá-lo e importar arroz”, recorda Carlos Schwarz da Silva. “O agricultor ficou descalço. Plantou, plantou, plantou, dedicou-se à monocultura da castanha de caju, entregou a sua segurança alimentar”, diz Pepito, que fundou, em 1991, a ONG Acção para o Desenvolvimento (AD).
A monocultura de caju, que tem como principal destino a Índia, não será a única responsável pelo declínio da cultura de arroz. E, por isso, além de mudanças nas opções económicas e políticas, há uma mudança cultural a fazer para alcançar a segurança alimentar, apela Pepito. “Temos de convencer o guineense de que ele só vai chegar à auto-suficiência alimentar através do consumo de outras espécies, como milho e mandioca. É que o deserto vem por aí abaixo... Produzir arroz é cada vez mais difícil. Se continuarmos na mentalidade do ‘arroz, arroz, arroz’, chegaremos a um ponto em que não vai haver arroz, nem mais nada”.