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Um ano após a criação do YouTube (2005), um canal de partilha de vídeos online, a revista Time elegia como personalidade do ano “You” – os utilizadores digitais. Apesar de os inúmeros acontecimentos internacionais dignos de destaque nesse ano, as novas potencialidades da internet que colocam no centro o cidadão comum apresentavam-se como um admirável mundo novo, toda uma nova história. “É uma história sobre comunidade e colaboração a uma escala nunca vista. É sobre um compêndio cósmico de conhecimento Wikipédia e de milhões de canais de pessoas da rede YouTube e da metrópole online MySpace”, justificava a Time.


De facto, a internet e a emergência de redes sociais começavam a abrir novos horizontes ao cidadão comum que, até então, dificilmente penetrava a estrutura dos media tradicionais - seja a televisão, a rádio ou a imprensa - cujo espaço, muito limitativo, era conquistado através de vox populi ou de cartas ao director. O fluxo de informação era, portanto, maioritariamente unidireccional.


Porém, nos anos 2000, uma (r)evolução começou a ser desenhada com a emergência dos novos media que possibilitavam a produção e a partilha de narrativas próprias, transbordando as fronteiras tradicionais, ao mesmo tempo que permitia um maior envolvimento político e social dos cidadãos. A emergência de múltiplas vozes individuais na esfera pública digital provocou ondas de choque nas fundações dos media tradicionais que se viram confrontados com a perda de poder, no que diz respeito à produção e à própria hierarquização da informação produzida para o público.


Os blogues, os wikis, os podcasts, o YouTube e outras redes sociais como o Facebook ou o Twitter permitiam a produção e partilha de visões individualizadas do mundo e do quotidiano fora dos circuitos tradicionais e do “espartilho” das linhas editoriais. Este fenómeno é por muitos apelidado como a definição de uma cultura participativa, caracterizando o utilizador como actor dentro do meio do qual participa.

 

Sites como o YouTube rapidamente conquistaram o seu espaço e se afirmaram na era digital como plataformas e ferramentas para a democratização da comunicação e da aprendizagem. Neste contexto, o YouTube surge como um medium de intersecção entre a criação e a partilha de conteúdos online, contribuindo para a dinamização de uma cultura participativa, definida por Henry Jenkins (2006) como uma cultura com barreiras relativamente baixas que estimulam a expressão artística e o envolvimento cívico, uma cultura que estimula a criação e partilha de conteúdos próprios e um modelo informal de mentoria, ou seja, de transmissão de conhecimento e de experiência (quem nunca consultou tutoriais no YouTube?).
 

Assim sendo, é possível identificar quatro formas distintas de cultura participativa: a afiliação, traduzida pela associação formal ou informal às comunidades digitais, nomeadamente a redes sociais como o YouTube, o Facebook ou o Twitter; a expressão, porque permite ao utilizador produzir e se exprimir de forma criativa através da escrita (blogues), do vídeo (Youtube, Vimeo...), da fotografia (Flickr, Instagram...), entre muitos outros; a resolução colaborativa de problemas, trabalhando colectivamente também formal ou informalmente para produzir novo conhecimento ou novas ferramentas (exemplo disso é a Wikipédia e o software de código aberto) ou para a resolução de problemas; a circulação, seleccionando e hierarquizando individualmente o consumo da informação ao seu próprio ritmo (como os podcasts).
 

De facto, as ferramentas digitais podem ser entendidas como mecanismos de reforço da democracia e da expressão de uma cidadania completa, dando voz ao cidadão comum. Mas também pode ser vista como uma arma poderosa e pode ser, simultaneamente, perigosa. Neste contexto, o YouTube assume-se como um media híbrido, na medida em que é espaço de expressão para um grupo muito diversificado de pessoas, desde amadores, activistas, políticos, terroristas que co-existem e interagem de forma complexa. Aqui, questionamos se, etimologicamente, you significa tu ou vós, isto é, se o YouTube se refere a um lugar individual de expressão ou, se pelo contrário, é a expressão de visões partilhadas dentro da comunidade online. E por que não uma memória individual e colectiva?


De qualquer forma, e até certo ponto, o YouTube pode ser entendido como uma ferramenta de política externa ou de recentramento da atenção da comunidade internacional em determinados assuntos. Graças ao YouTube, aos novos media e à evolução tecnológica, assistimos à criação do jornalismo cidadão - uma expressão que não gera consenso, mas que não pode ser menosprezada. Qualquer cidadão-utilizador pode, hoje em dia, publicar informação na internet sem passar necessariamente pelo filtro do jornalismo. Qualquer cidadão-utilizador tem as ferramentas necessárias para registar determinados momentos (catástrofes, por exemplo) e partilhá-los no YouTube. Basta para isso ter um telemóvel com câmara incorporada ou uma simples máquina fotográfica e acesso à internet. Contudo, parece-nos importante realçar que não substitui o jornalismo - complementa a informação ou centra a atenção mediática em temas até então considerados periféricos ou até mesmo desconhecidos.


Existem dois exemplos recentes destes fenómenos. O vídeo viral “Kony 2012”, produzido pela ONG norte-americana Invisible Children, que moveu uma campanha contra o senhor da guerra ugandês Joseph Kony, tornando-o mundialmente conhecido e gerando debate em torno das crianças-soldados naquela região. Em três dias o vídeo da campanha registou mais de 52 milhões de visualizações no YouTube, e extravasou o debate online, levando jornalistas a questionar a posição política de líderes mundiais relativamente a este caso. Mais recentemente, os trágicos acontecimentos da revolta síria têm sido registados fundamentalmente por cidadãos, já que o acesso ao terreno foi totalmente vedado aos jornalistas. Trata-se de um exemplo, entre outros, de como o cidadão comum pode utilizar o YouTube para denunciar, alertar ou simplesmente dar a conhecer a sua versão da história e, por vezes, substituindo o próprio jornalista.


A crescente importância do YouTube no panorama digital pode também ser demonstrada através de números: em 2007, eram carregados no YouTube cerca de oito horas de vídeo por minuto; quatro anos depois, mais de 68 horas eram partilhadas num minuto - o que significa um aumento de oito vezes em quatro anos. E 2011, o site superou as três mil milhões visualizações por dia, o que representa um número equivalente a quase metade da população mundial a ver um vídeo do YouTube num só dia.


Contudo, e apesar da difusão global dos novos media, a cultura participativa não é sinónimo de uma cultura diversificada. Inúmeras geografias continuam subrepresentadas no YouTube e na internet em geral. O acesso, a velocidade e o custo da ligação à internet é muito diferente na Europa ou em África, por exemplo. E, muitas vezes, quando representadas sob a óptica do ocidental - seja jornalista, missionário ou turista - constituem uma visão superficial e exterior do lugar que apenas reforça estereótipos (Wall, 2009). Existem portanto comunidades e povos sem participação na comunidade digital e igualmente invisíveis aos media e ao público em geral. Se os media tradicionais (ainda) perpetuam uma imagem estereotipada, equivocada, negativista, de continentes, povos ou comunidades condenados ao fracasso, os novos media afiguram-se como alternativa, como um novo veículo de inscrição e de apropriação que permite dar a conhecer ao mundo a sua visão do mundo. O fenómeno surgiu há menos de uma década. Se a evolução tecnológica e a proliferação dos novos media continuarem ao ritmo dos últimos anos, esta última reflexão poderá ser amanhã obsoleta.

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