AMADOU AGORA JÁ NÃO TEM "MEDO NA CABEÇA"
Amadou veio da Serra Leoa, tem 17 anos. No Centro de Acolhimento para Refugiados, no concelho de Loures, a grande maioria são adultos, mas há menores que chegaram a Portugal sozinhos e que encaixam na categoria burocrática de "menores desacompanhados" - crianças ou adolescentes que, como Amadou, não têm família ou, também, que não sabem se ainda têm família.
Amadou é um adolescente robusto que entra com passada assertiva no centro de refugiados com uma mochila verde às costas, o único objecto que trouxe consigo para Lisboa, onde veio pedir que o protegessem porque mais ninguém o podia fazer por ele. Do pai ouviu apenas contar que morreu na guerra civil da Serra Leoa, a mãe morreu tinha ele cinco anos. Escolheu Portugal porque "sabia que era um país democrático", e, por ser "perto de África", não iria estranhar o clima. Assim foi.
A pergunta parece cliché mas é quase como se o seu sorriso estivesse a pedi-la: "És feliz?". "Sou muito feliz", diz, como se aquele fosse o início de uma sucessão de outros momentos felizes que se vão seguir na sua vida em Portugal, que incluirão "tirar um curso, ter um bom trabalho, gostava de ser mecânico". As razões para se sentir feliz têm a ver com o facto de no centro se sentir protegido. "Sei que não vai vir ninguém para me levar para a floresta." Parece um medo estranho neste edifício localizado num subúrbio onde as árvores escasseiam. Os seus colegas da escola também não percebem quando lhes fala do seu medo. "Para eles é muito estranho. Há alguns que nunca saíram de Lisboa, que nem sequer viram uma floresta. Eles não sabem o que é ter medo na cabeça".
Quando a guerra civil rebentou na Serra Leoa, a mãe fugiu com ele mas morreu era ele pequeno, e ele acabou por ter que voltar à sua aldeia natal na Serra Leoa, Kombayembeh, onde vivia com conhecidos. Foi aí, num dia à noite, que o agarraram e o levaram para a floresta, tal como fizeram com os muitos rapazes da sua idade que com ele partilharam aqueles dois meses em que quase todos os dias tentou fugir, até conseguir.
Na floresta, a sociedade secreta Poro organiza rituais de iniciação para os jovens adultos que incluem marcar-lhes o corpo com incisões. Amadou arregaça as calças e mostra pequenas cicatrizes brancas na pele negra. Conta que se era apanhado depois de uma fuga, um dos rituais "de feitiçaria" os obrigava "a saltar em cima de fogueiras, alguns queimavam-se".
No início ainda "tinha dois pensamentos", que é a forma como explica a sua vida de segurança em Portugal e o medo de que o viessem buscar de novo. Agora sabe que não é assim. "Estou aqui, posso sair, é tudo diferente". No quarto que partilha com desconhecidos sente-se livre do medo. Mais ninguém o vai levar para a floresta.
a partir de reportagem publicada no Público a 15 de Maio de 2012