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“Primeiro, definirei o conceito de rede, visto que ele desempenha papel central na minha caracterização da sociedade na era da informação. Rede é um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta. Concretamente, o que um nó é, depende do tipo de redes concretas de que falamos. (…) Redes são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação (por exemplo, valores ou objectivos de desempenho). Uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto altamente dinâmico susceptível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio” (Manuel Castells).



As redes e os laços sociais
Na era da globalização e da informação, que muitos encaram como o espaço-tempo de uma sociedade cada vez mais individualista e egoísta, outros descortinam uma nova forma de viver em conjunto: em rede. Arquitecto do conceito de “sociedade em rede”, Manuel Castells descreve a moderna organização social como atravessada pelas mais variadas interconexões, particularmente bem adaptadas à economia capitalista e globalizada, que processam novos valores e humores públicos e que são altamente dinâmicas. Entre elas, tornaram-se muito populares as denominadas redes sociais virtuais, exploradoras das potencialidades oferecidas pela world wide web: Facebook (845 milhões de usuários activos em Fevereiro de 2012), Twitter (mais de 200 milhões de aderentes), LinkedIn (147 milhões de membros) ou Orkut (66 mlhões de usuários). Nelas se retoma o contacto com antigos amigos, trocam-se informações e pensamentos, esboçam-se alianças, criam-se novas organizações e movimentos de contestação.


Ainda assim, estas formas de intercâmbio, que fazem uso das tecnologias mais avançadas, não anulam nem substituem essas outras redes sociais mais concretas e mais antigas, as da baixa tecnologia, que atravessam todos os campos das relações humanas, começando pela família e estendendo-se ao trabalho, às vivências em comunidade ou à construção de uma sociedade civil global.


Atribui-se à ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher a célebre frase de que “não existe essa coisa de sociedade, o que há e sempre haverá são indivíduos”. Sustentado pelo pensamento neoliberal, o conceito de “individualismo” é associado à ideia de liberdade de escolha, em que cada um passa a ser responsável pelo seu destino e pela sua sorte, liberto de amarras e constrangimentos. Desafiando-nos para uma outra visão, vários pensadores têm sustentado, ao invés, que individualismo e acção colectiva não são incompatíveis. E que é possível conciliar o percurso único de cada sujeito com a formação de laços sociais, desde que respeitadores do carácter individualizado dos sujeitos. Ilustrando com um exemplo concreto, estudos sobre o envolvimento associativo dos cidadãos indiciam que, hoje, é o projecto individual que orienta as suas escolhas de empenhamento colectivo. O projecto individual substitui-se à fidelidade e lealdade duráveis face à associação, originando envolvimentos provisórios, diversificados e mutáveis. Daí esse “zapping” associativo, de que os dirigentes tanto se queixam. Por sua vez, os modelos de organização associativa tendem a configurar redes abertas e flexíveis, em permanente recomposição ao nível do seu funcionamento e animação. Nelas os sujeitos experimentam a liberdade e a responsabilidade de agir em conjunto e gera-se capital social.



Redes para o desenvolvimento: as parcerias

No cenário das políticas para o desenvolvimento, a ideia de rede encontra tradução no conceito e prática de parceria. Por parceria (ou partenariado, numa tradução mais literal do termo inglês partnership ou do francês partenariat), entende-se “aquele processo pelo qual dois ou mais agentes de natureza distinta e sem que percam a sua especificidade, se põem de acordo para realizar algo num tempo determinado, que é mais que a soma deles, ou que cada um só não poderia fazer ou que é distinto do que já fazem, implicando riscos e benefícios que partilham” (Jordi Estivill).


Formalmente, estas parcerias têm vindo a configurar-se em torno de dois modelos principais, um que toma a forma radial ou de guarda-chuva, e outro que se assemelha a uma teia ou rede. No primeiro caso, existe um centro vertebrado ocupado pelo promotor da acção modelo, a quem compete a sua concepção e promoção. Em torno dele reúnem-se outros agentes que, em função dos seus interesses, recursos e disponibilidade, se mobilizam para a intervenção. O segundo modelo, caracterizado por um funcionamento horizontal, implica equilíbrio e divisão de poderes entre os actores envolvidos. A rede constrói-se e alarga-se a partir das diferentes cooperações, não existindo protagonismos dominantes.


Independentemente do modelo adoptado, a constituição de parcerias visa contrariar a tendência para a sectorialização dos problemas e decisões, bem como o corporativismo. Desenham-se como formas de mediação e solidariedade que promovem o diálogo activo entre os diferentes actores (cidadãos, organizações do terceiro sector, empresas, sindicatos, media, autoridades locais e poder central, etc.) e sectores em prol do desenvolvimento. No espaço temporal determinado pela vigência de um programa ou projecto, os agentes envolvidos organizam-se para interpretar colectivamente as necessidades, debater as soluções, mutualizar os recursos e articular actividades, sempre no respeito pela especificidade de cada um deles. Segundo uma lógica que é circular, a estrutura determina a acção, e vice-versa: as características do trabalho em rede potenciam a aprendizagem colectiva e a aquisição de competências fundamentais, o que, por sua vez, interfere sobre a qualidade da parceria, tornando-a mais activa e eficaz.



Em favor de redes abertas e policêntricas
Um dos maiores desafios que se colocam às parcerias é o de se abrirem à adesão e implicação de novos agentes, em particular quando está em causa lutar contra o desfavorecimento e a exclusão social e se deseja o envolvimento dos próprios grupos vulneráveis nessas dinâmicas. Com efeito, muitas das parcerias não têm resistido à tendência para legitimar e mesmo aprofundar a divisão clara e desproporcional entre um pequeno número de cidadãos / grupos / organizações que se envolvem num grande número de redes e parcerias, e uma larga camada da população escassamente implicada e marginalmente influenciadora das decisões finais. Os termos de uma participação centrada nos “suspeitos do costume” implicam que “os ricos tornam-se mais ricos”, ou seja, quem já participa vai ganhando saberes, competências e conexões que facilitam o seu acesso a novas redes.


Alguns alegam que, focalizados na participação de um grupo restrito, se agilizam decisões, se consegue a participação dos mais capazes e se evitam processos longos e cansativos que dificilmente geram consensos. Contudo, também importa ponderar outros argumentos, como a perda de recursos e conhecimentos potencialmente aportados por esses agentes, a fragilização das legitimidades ou a desresponsabilização das populações. Cativar e facilitar a participação desses novos actores nas redes de decisão implicará investir em contextos e processos (nomeadamente, técnicas) que favoreçam a participação mais alargada. Mas também garantir a existência de mais momentos em que o exercício dessa participação se torna uma realidade, na medida em que é participando que se aprende a participar.

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