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QUINTA DA SERRA: BEM-ESTAR É (TAMBÉM) PODER ESCOLHER

A CASA EM QUE SE VIVE

Chamo-me Natália Gomes e tenho 19 anos. Natália é o meu primeiro nome, mas prefiro que me chamem por Nanambi. Nanambi apenas, o apelido do meu pai.



Nasci e vivi perto de 17 anos na Quinta da Serra, no Prior Velho. Em Lisboa, este é um dos últimos bairros construídos com zinco, algum tijolo e cimento. É verdade: costumam chamar-lhe “bairro de barracas”. Quem lhe chama isso, normalmente, não nasceu ou cresceu aqui. A Quinta é essa mesma que se vê passando de automóvel na CRIL. Pouco se vê. Ao longe, e em dias de sol, apenas um aglomerado de chapas brilhando. Mas ela continua cá desde a década de 1980.



Foi nessa altura que o meu pai veio para cá morar. Ele nasceu na Guiné-Bissau, em Bassarel, chão manjaco. Eu cresci aqui, fiz a escola, a catequese e aprendi a falar crioulo nas ruas do bairro. A minha casa era exactamente aqui, mas foi demolida depois de sairmos. Agora apenas restam algumas paredes e o antigo chão de mosaico. Mas ainda consigo reconhecer as divisões: aqui onde estou era o meu quarto!



Adorei viver no bairro. Todos deixavam sempre as portas abertas. Tratávamos todas as mulheres por “tia”. À noite brincávamos à macaca. No escuro, para desenhar as linhas do jogo usávamos fios de água, como na Guiné.

Agora vivo num prédio de 8 andares. Moro no 5.º piso. Mudámos num dia 3 de Janeiro. Não conheço todos os meus vizinhos. Ao início cumprimentava as pessoas. Ninguém respondia com “Bom dia”. As pessoas não se falam e perde-se o hábito. Isto é: quando não nos respondem, não praticamos o “Bom dia”. Chega um dia em que deixamos de falar.

Na Quinta, o mal são as condições em que as pessoas têm a sua casa construída. Há três e quatro famílias numa só habitação. Mas agora as pessoas que já saíram daqui dizem-me que têm saudades do convívio noite dentro. Ficávamos a falar e a brincar horas sem fim. Agora as pessoas que ainda vivem aqui já não têm muitos vizinhos.



Bem-estar é ter algum conforto, mas aqui as pessoas habituaram-se a viver com muito pouco. No prédio, não nos sentimos felizes a nível social. As pessoas aqui não estão bem materialmente, mas não se lamentam. Vivem com 200 ou 300 euros por mês, mas criaram um ambiente africano, o seu lugar próprio. Os espaços reciclam-se. Por isso, no que resta das antigas casas, começam agora a surgir estas pequenas hortas: milho, cebola, feijão, cana-de-açúcar, alface.

Com as demolições o bairro já não é o que era. Dizem-nos que o realojamento está parado por falta de dinheiro. Muitas famílias não têm meios para procurar outra casa. Bem-estar é poder escolher onde se mora. Este terreno é privado, tem um dono que é uma empresa. O que querem fazer aqui? Ouve-se: um condomínio fechado.

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